Diabetes Mellitus (DM): Um Guia Completo para Compreensão e Controle  


O Diabetes Mellitus (DM) é uma condição crônica que afeta milhões de pessoas globalmente. Compreender o que é a doença, seus tipos, como diagnosticá-la e, principalmente, como controlá-la, é fundamental para uma vida saudável e a prevenção de complicações.

Nesta seção, o Dr. Ricardo Amim da Costa oferece um guia completo sobre o Diabetes Mellitus, abordando desde os conceitos básicos até as nuances do tratamento com insulina e o manejo da hipoglicemia.


1. O Que é Diabetes Mellitus (DM)?

O Diabetes Mellitus é caracterizado pela incapacidade ou fraqueza do pâncreas em produzir insulina, ou pela incapacidade do corpo de utilizá-la eficazmente (condição conhecida como resistência à insulina).

  • Função da Insulina: A insulina é um hormônio vital que age como uma "chave", abrindo as portas das células do nosso organismo para a entrada da glicose (o principal combustível do corpo).
  • Consequência da Disfunção: Quando há falta de insulina ou quando ela não funciona corretamente, a glicose se acumula na corrente sanguínea (situação chamada de hiperglicemia), e as células, sem combustível, não funcionam adequadamente, podendo até mesmo serem danificadas.

2. Tipos de Diabetes

Existem dois tipos principais de Diabetes Mellitus:

2.1. Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2)

  • É o tipo mais comum de diabetes.
  • Geralmente, o pâncreas já possui uma predisposição genética que o leva à falência ao longo dos anos.
  • Situações que sobrecarregam o pâncreas, como obesidade, estresse e algumas doenças, podem antecipar o surgimento do diabetes em idades mais jovens.

2.2. Diabetes Mellitus Tipo 1 (DM1)

  • É uma forma menos comum da doença e é considerada uma doença autoimune.
  • Nela, o sistema de defesa do corpo (anticorpos) ataca erroneamente as células Beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina, destruindo-as.
  • Isso leva a um processo inflamatório intenso e à perda da função dessas células, resultando em deficiência quase total de insulina.

3. Fatores de Risco para o Diabetes Tipo 2

Além da obesidade, outros fatores aumentam a chance de desenvolver DM2:

  • História familiar de diabetes, principalmente em parentes de primeiro grau.
  • Alterações glicêmicas prévias (pré-diabetes).
  • Hipertensão em adultos.
  • Taxa de colesterol HDL (o "bom" colesterol) menor que 35 mg/dl e triglicerídeos maior ou igual a 250 mg/dl.
  • História prévia de diabetes gestacional ou nascimento de criança com mais de 4 kg.
  • Portadoras da síndrome dos ovários policísticos (SOP).

4. Diagnóstico do Diabetes

O diagnóstico é feito através de exames laboratoriais específicos:

  • Glicemia de Jejum: Se o resultado for igual ou superior a 126 mg/dl em jejum de pelo menos 8 horas (confirmado em duas medições separadas).
  • Glicemia a Qualquer Hora do Dia: Se for superior a 200 mg/dl, especialmente se houver sintomas da doença (poliúria, polidipsia, perda de peso inexplicada).
  • Hemoglobina Glicada (HbA1c): Estima a média das glicemias dos últimos 90 dias. Se o resultado for igual ou superior a 6,5%, sugere diabetes.

Importante: Exames feitos em aparelhos de glicemia capilar (pontinha de dedo) NÃO são utilizados para fazer o diagnóstico; eles devem ser confirmados por exames laboratoriais.


5. Pré-Diabetes: Um Alerta

O Pré-Diabetes é um estado intermediário, definido laboratorialmente, onde o indivíduo apresenta valores de glicemia acima do normal, mas ainda não em níveis que caracterizem diabetes. É um alerta para a necessidade de mudança de hábitos.

  • Glicemia de Jejum: Entre 100 e 125 mg/dl.
  • Glicemia Pós-Prandial (2 horas após ingestão de glicose): Entre 140 e 200 mg/dl.
  • Hemoglobina Glicada (HbA1c): Entre 5,7% e 6,4% (critério da Associação Americana de Diabetes - ADA).

5.1. Indicação de Medicamentos no Pré-Diabetes:

O uso de medicamentos no pré-diabetes pode ser indicado em casos de:

  • Idade menor que 60 anos.
  • IMC maior que 35 kg/m².
  • História familiar de diabetes em parentes de primeiro grau.
  • Presença de triglicerídeos elevados e HDL colesterol diminuído.
  • Presença de hipertensão.
  • Hemoglobina glicada A1c maior que 6%.

6. Sintomas do Diabetes

Os sintomas mais comuns de diabetes incluem:

  • Boca seca e sede intensa (polidipsia).
  • Vontade frequente de urinar, inclusive durante a noite (poliúria).
  • Aumento do apetite (polifagia).
  • Perda de peso inexplicada, apesar do aumento do apetite.
  • Cansaço excessivo, tonturas e fraqueza.
  • Visão turva.
  • Infecções frequentes (pele, urinárias).
  • Feridas que demoram a cicatrizar.
  • Formigamento ou dormência em mãos e pés.

Atenção: Na grande maioria dos casos, o diabetes é silencioso, sem muitos sintomas perceptíveis. Isso representa um grande perigo, pois muitas pessoas só descobrem ou tratam a doença em fases avançadas, quando as complicações já se instalaram.


7. Complicações do Diabetes: Prevenção é Fundamental

O diabetes pode levar a complicações agudas (curto prazo) e crônicas (longo prazo), que afetam diversos sistemas do corpo e podem ser graves se a doença não for controlada.

7.1. Complicações Agudas:

São situações de emergência que requerem atenção médica imediata:

  • Hiperglicemia Severa:Aumento significativo da glicose sanguínea, levando a quadros de desidratação e acidez do sangue, como:
    • Cetoacidose Diabética (CAD): Mais comum no DM1, ocorre quando há falta de insulina e o corpo começa a queimar gordura para energia, produzindo ácidos chamados cetonas.
    • Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico (EHH): Mais comum no DM2, caracterizado por glicemia muito alta e desidratação severa, sem acúmulo significativo de cetonas.
  • Hipoglicemia: Queda abrupta e acentuada da glicose (geralmente por uso excessivo de insulina ou medicação oral, ou por não se alimentar corretamente). Será abordada em detalhes na Seção 11.

Tanto a hiperglicemia quanto a hipoglicemia, se não tratadas a tempo, podem levar a perda da consciência, coma e até a morte.

7.2. Complicações Crônicas:

Resultam do acometimento crônico dos vasos sanguíneos e nervos pelo processo inflamatório e pelos altos níveis de glicose. Podem ser classificadas em microvasculares e macrovasculares:

  • Microvasculares (Vasos Menores):
    • Olhos: Retinopatia diabética (dano aos vasos da retina que pode levar à cegueira).
    • Rins: Nefropatia diabética (dano aos rins que pode levar à insuficiência renal e necessidade de diálise).
    • Nervos: Neuropatia diabética (dano aos nervos, causando perda de sensibilidade em mãos e pés, dor, formigamento, deformidades, calosidades, feridas de difícil cicatrização e, em casos graves, amputação de membros).
  • Macrovasculares (Vasos Maiores):
    • Coração: Aumento do risco de infarto do miocárdio.
    • Cérebro: Aumento do risco de derrame cerebral (AVC).
    • Vascular Periférica: Doença arterial periférica, que pode levar a problemas circulatórios nas pernas e pés.

Infarto e derrame cerebral são as principais causas de morte em diabéticos.

7.3. Entendendo Termos Relacionados:

  • Microalbuminúria: Perda de pequenas quantidades de proteína pela urina (maior que 30mg em 24h). É um dos primeiros sinais de sofrimento renal precoce em diabéticos.
  • Retinopatia Diabética: Complicação que afeta os pequenos vasos que irrigam a retina nos olhos. Sem tratamento adequado, pode levar à cegueira.
  • Neuropatia Diabética: Complicação que afeta os nervos, mais comum em mãos e pés, causando dor, formigamento ou perda de sensibilidade.

7.4. Como Prevenir Complicações:

Trabalhos científicos demonstram que, com o diabetes bem controlado, mantendo as taxas de glicose e hemoglobina glicada próximas da normalidade, os riscos de desenvolver complicações são significativamente menores. O controle glicêmico rigoroso é a chave.


8. Tratamento do Diabetes: A Base é a Disciplina

A primeira e mais crucial medida no tratamento do diabetes é a DISCIPLINA. Sem ela, o diabético está propenso a desenvolver complicações precocemente, comprometendo sua qualidade de vida e longevidade.

Ser disciplinado significa:

  • Ter horários rigorosos para se alimentar.
  • Saber o que comer e a quantidade adequada.
  • Exercitar-se com frequência.
  • Tomar religiosamente os medicamentos prescritos.
  • Fazer exames periódicos, especialmente glicemias no domicílio.
  • Consultar periodicamente seu médico especialista em diabetes.

Para quem não tem o hábito de ser disciplinado, é necessário MUDAR seu ESTILO DE VIDA!

8.1. O que são Carboidratos?

Os carboidratos são um dos seis tipos de nutrientes que oferecemos ao nosso organismo. São a principal fonte de energia rápida para o corpo. São encontrados em massas, farinhas, arroz, milho e, principalmente, no açúcar. No diabetes, a qualidade e quantidade de carboidratos são cruciais.

8.2. Como Deve Ser a Alimentação do Diabético?

Uma alimentação balanceada é pilar fundamental no controle do diabetes:

  • Horários Fixos: Tenha horários mais rigorosos para se alimentar, pois as medicações têm um tempo exato para fazerem seus efeitos.
  • Coma Pouco, Mas Frequente: Faça refeições fracionadas (pelo menos 6 ou mais ao dia). Comer muito em poucas refeições aumenta os picos de glicose.
  • Elimine o Açúcar: Pare com o uso de açúcar e todos os alimentos que o contenham. Ele é de absorção muito rápida e causa picos elevados de glicemia.
  • Modere Carboidratos Refinados: Diminua a porção de carboidratos simples feitos de farinhas brancas e refinadas (quitandas, pães, macarrão). Prefira opções integrais, que contêm fibras.
  • Combine Carboidratos com Fibras e Proteínas: Comer carboidratos junto com alimentos ricos em fibras e/ou proteínas retarda a absorção da glicose. Exemplo: pão + queijo + fruta.
  • Aumente o Consumo de Frutas, Verduras e Hortaliças: Principalmente cruas e com folhas inteiras, para aumentar a oferta de fibras.
  • Modere Raízes: Alimentos como mandioca, beterraba, cenoura, cará são ricos em carboidratos e devem ser consumidos com moderação.
  • Evite Alimentos Pouco Saudáveis: Gorduras de origem animal, frituras e sal podem não aumentar a glicose diretamente, mas elevam colesterol e pressão arterial, fatores de risco cardiovascular.
  • Cuidado com Produtos Diet: Podem ser sem açúcar, mas alguns contêm muitas calorias e podem levar ao ganho de peso. Verifique também o teor de sódio.
  • Beba Muita Água: De 2 a 3 litros por dia. Ajuda no bom funcionamento dos rins, na eliminação de toxinas e, muitas vezes, a sede é confundida com fome.
  • Coma com Atenção: Mastigue bem, descanse os talheres. Evite comer em frente à TV ou computador, pois isso favorece o consumo excessivo.
  • Saia da Mesa Com a Sensação de "Poderia Comer Mais um Pouco": O sinal de saciedade leva cerca de 20 minutos para atingir o pico no cérebro.

8.3. A Importância do Exercício Físico no Controle do Diabetes:

Os exercícios físicos ajudam a manter o corpo em forma e a diminuir a gordura corporal, que é um dos principais fatores de risco para o diabetes, pois dificulta a ação da insulina (resistência insulínica).

Além disso, os músculos são grandes consumidores de glicose. Eles possuem depósitos de energia (glicogênio) que podem ser usados sem a necessidade de insulina. Quanto mais exercícios o diabético fizer, mais glicose será consumida, sem sobrecarregar o pâncreas.

8.4. A Importância de Medir as Glicemias em Casa:

Todo diabético deve monitorar suas glicemias no domicílio. Mesmo sem usar insulina, a medição periódica ajuda no controle da doença e na prevenção de complicações.

  • Frequência: Diabéticos tipo 1 e tipo 2 em uso de insulina devem medir as glicemias diariamente, mais de uma vez ao dia. Pacientes com complicações já instaladas também devem ser mais rigorosos.
  • Registro: As medidas são ferramentas valiosas para o médico ajustar o tratamento. Devem ser cuidadosamente anotadas em uma tabela (dia, hora, valor) e apresentadas na próxima consulta.

8.5. Como Medir a Glicemia Sem Dor (Picando o Dedo):

Para minimizar o desconforto da picada:

  • Lave bem as mãos com água e sabão (com água morna nos dias frios). Enxugue com toalha limpa.
  • Deixe a mão pendente por um tempo para o sangue se acumular nas extremidades.
  • Não pique a ponta do dedo. Pique ao redor da polpa do dedo, onde a sensibilidade é menor. O dedo anelar costuma ter menor sensibilidade.
  • Aperte o dedo abaixo do local da picada para obter uma gota de sangue mais facilmente, sem precisar penetrar tanto a lanceta.
  • Use lancetas, que são mais finas e projetadas para minimizar a dor.
  • Use lancetadores (picadores). São dispositivos que permitem que a lanceta penetre na pele de forma tão rápida que dificilmente se sente dor.

8.6. Medicação de Escolha no Início da Terapia:

A escolha da medicação depende do tipo de diabetes, sintomas, níveis de glicemia/HbA1c e contraindicações de cada paciente:

  • Diabetes Tipo 2: Geralmente, a metformina é a primeira escolha. No entanto, em casos de hiperglicemia grave (glicemia de jejum > 250 mg/dl ou HbA1c > 12%) ou muitos sintomas, a insulina pode ser iniciada, mesmo que temporariamente.
  • Diabetes Gestacional: A insulina ainda é a terapia de primeira linha.
  • Diabetes Tipo 1: O tratamento medicamentoso é sempre com insulinoterapia, pois há deficiência total de produção de insulina.

9. Insulinas: Tipos e Uso

9.1. O Que é Insulina?

Insulina é um hormônio proteico produzido pelo pâncreas. Sua função principal é manter a glicemia dentro dos limites normais, permitindo que a glicose entre nas células. As insulinas utilizadas para uso externo são hoje produzidas através de técnicas de DNA recombinante (insulina humana), sendo mais puras e seguras. O que difere os tipos de insulina é o tempo de início de ação, pico máximo de ação e tempo de duração.

9.2. Indicações para o Uso de Insulina:

O uso de insulina é indicado em diversas situações:

  • Todos os portadores de Diabetes Tipo 1.
  • Casos de coma hiperglicêmico e cetoacidose diabética.
  • Gestantes portadoras de diabetes (gestacional ou pré-existente).
  • Correção de picos glicêmicos pós-prandiais.
  • Associadas a medicamentos orais, ou substituindo-os, quando estes não são mais eficazes.
  • Terapia temporária em diabéticos tipo 2 com hiperglicemia severa.
  • Durante infecções em diabéticos tipo 2 (situações de estresse).
  • Para recuperação de peso em diabéticos tipo 2 muito baixos.
  • Antes, durante e após cirurgias.
  • Correção de hiperglicemia noturna (fenômeno Dawn).

9.3. Tipos de Insulina Disponíveis:

As insulinas são classificadas pelo seu perfil de ação:

  • Insulinas Ultra-Rápidas (Análogas de Ação Rápida):
    • Características: Ação e picos ultra-rápidos. São cristalinas e transparentes. Injetadas no tecido subcutâneo (SC) ou endovenosa (EV). Não contêm protamina ou zinco. Agem de forma mais semelhante à insulina pancreática normal. Não devem ser usadas isoladamente para controle diário (necessitam de uma insulina basal).
    • Exemplos: Lispro (Humalog), Asparte (Novorapid), Glulisina (Apidra).
    • Ação: Início em 5-15 min, pico em 30-90 min, duração 3-5h.
    • Indicações: Reduzir picos de glicemia após refeições (melhor controle pós-prandial); maior flexibilidade (injetada 5-20 min antes ou após a refeição); complementação de NPH ou insulinas de ação prolongada; para uso em bombas de infusão de insulina.
  • Insulina Regular (R) ou Rápida:
    • Características: Agem rapidamente, mas não tão rápido quanto as ultra-rápidas. Cristalina e transparente. Pode ser injetada no músculo (IM), subcutâneo (SC) e veia (EV).
    • Exemplos: Humulin R, Novolin R.
    • Ação: Início em 30-60 min, pico em 2-4h, duração 6-10h.
    • Indicações: Complementação da insulina NPH; em cirurgias; urgências (infecções, traumas); cetoacidose.
  • Insulina NPH (N) ou de Ação Intermediária:
    • Características: Ação intermediária devido à adição de protamina. Cor leitosa (deve ser homogeneizada antes do uso). Injetada apenas no subcutâneo (SC). Nunca injetar na veia!
    • Exemplos: Humulin N, Novolin N.
    • Ação: Início em 2-6h, pico em 6-14h, duração 14-18h. Grande variação individual.
    • Indicações: Pacientes com DM1, DM2 com mau controle, diabetes gestacional.
  • Insulinas Pré-Misturadas:
    • Características: Misturas de fábrica entre insulinas de ação intermediária e rápida/ultra-rápida, em uma proporção fixa.
    • Tipos:
      • Pré-mistura de insulina humana: Combinação de Regular (R) com NPH (N). Ex: Novolin 70/30 (70% NPH, 30% Regular).
      • Pré-mistura de insulina análoga: Combinação de insulina ultra-rápida (lispro ou asparte) com insulinas de ação intermediária. Ex: Humalog Mix 25, Novomix 30.
    • Indicações: Para simplificar o esquema de injeções (menor número de aplicações diárias).
  • Insulinas de Ação Prolongada (Análogas Basais):
    • Características: Estruturalmente modificadas para durar pelo menos 24 horas. Transparentes (não contêm protamina/zinco). Usadas como aporte basal (para manter os níveis de glicose constantes entre as refeições e durante o sono). Injetadas sempre no subcutâneo (SC).
    • Exemplos: Levemir (detemir), Lantus (glargina), Tresiba (degludeca).
    • Ação: Início em 1-2h, mantém-se constante (sem picos) por até 24h (ou mais, dependendo do tipo).
    • Indicações: Pacientes com frequentes hipoglicemias (especialmente noturnas) com outras insulinas; DM2 mal controlado, associado a medicamentos orais; proporcionar maior flexibilidade de horários.

10. Apresentações e Cuidados com a Insulina

10.1. Apresentações Disponíveis no Mercado Brasileiro:

As insulinas podem ser encontradas em:

  • Frascos de 10ml: Para uso com seringas de insulina (ex: Apidra, Novorapid, Novolin R/N, Humulin R/N, Humulin 70/30, Humalog, Lantus).
  • Frascos-cartucho (tubetes): Para uso em canetas reutilizáveis (ex: Apidra, Novorapid, Novomix 30, Novolin R/N, Novolin 70/30, Humulin R/N, Humalog, Humalog Mix 25/50, Lantus e Levemir).
  • Canetas descartáveis (pré-preenchidas): Já vêm com o tubete de insulina e são descartadas após o término do conteúdo (ex: Novorapid FlexPen, Novomix 30 FlexPen, Levemir FlexPen, Lantus OptiSet, Lantus SoloSTAR, Apidra SoloSTAR).

10.2. Cuidados de Conservação e Armazenamento:

A conservação correta da insulina garante sua eficácia:

  • Observe a validade no frasco.
  • Evite congelamento (<2ºC) ou superaquecimento (>30ºC).
  • Evite agitação excessiva (pode causar bolhas ou desnaturar a insulina).
  • Frascos em uso: Podem ser mantidos em temperatura ambiente (locais não muito quentes) por até 30 dias. Após esse período, podem perder potência.
  • Frascos não abertos/reservas: Devem ser mantidos na geladeira (parte inferior, não na porta), protegidos da luz.
  • Inspecione antes do uso: Verifique se há precipitados (grumos), fragmentos de gelo ou alterações de cor. Se houver, descarte.

10.3. Reaproveitamento de Seringas e Agulhas:

Atenção: Embora alguns estudos e diretrizes antigas mencionassem a possibilidade de reutilização de seringas e agulhas descartáveis na mesma pessoa por um número limitado de vezes, sob condições de higiene rigorosas, esta prática NÃO é universalmente recomendada pela maioria dos órgãos de saúde e fabricantes atualmente. O risco de infecção e a perda de afiação da agulha (tornando a aplicação mais dolorosa e danificando a pele) são preocupações significativas. O ideal é usar uma seringa e agulha nova a cada aplicação. Consulte sempre seu médico para as melhores práticas e diretrizes mais atuais.

Deve-se evitar a reutilização em qualquer circunstância se houver pouca higiene pessoal, doenças agudas, feridas abertas, imunidade baixa, visão ou destreza manual limitada.

10.4. Dificuldade para Enxergar as Marcas da Seringa:

Para garantir a dose correta, caso haja dificuldade visual:

  • Existe um dispositivo de plástico com sistema óptico de precisão que amplia as escalas e ajuda a detectar bolhas.
  • O uso de lentes de aumento (lupas) também pode ajudar.
  • Se ainda houver dificuldade, peça ajuda a alguém com melhor visão para garantir a dose correta.

10.5. Locais Apropriados para Aplicação da Insulina:

É crucial fazer o rodízio dos locais de aplicação para evitar lipo-hipertrofia (acúmulo de gordura no local da picada, que impede a absorção adequada da insulina) e outras lesões. As áreas recomendadas são:

  • Face anterior da coxa.
  • Face externa e posterior do braço.
  • Nádegas.
  • Abdome (região mais indicada para absorção rápida).

A distância recomendada entre uma aplicação e outra no mesmo local é de, no mínimo, 3 cm.

10.6. Técnica Correta de Aplicação de Insulina com Seringa:

  1. Prepare o material: Seringa, insulina, algodão com álcool.
  2. Lave e seque bem as mãos.
  3. Prepare a insulina:
    • Para insulinas leitosas (NPH, pré-misturas): Role o frasco entre as mãos para misturar (evite agitar vigorosamente para não formar bolhas).
    • Para insulinas transparentes: Apenas inspecione.
  4. Limpe a tampa de borracha do frasco com álcool.
  5. Aspire a dose: Aspire ar na seringa no mesmo volume da dose a ser aplicada. Introduza a agulha no frasco e injete o ar. Vire o conjunto (frasco/seringa) de cabeça para baixo e aspire lentamente a insulina. Remova bolhas de ar batendo suavemente na seringa e reinjetando o ar no frasco. Retire a seringa do frasco.
  6. Limpe a área de aplicação na pele com álcool.
  7. Faça a prega cutânea: Pinça a pele com os dedos (especialmente se tiver pouca gordura).
  8. Aplique: Introduza a agulha perpendicularmente (90º) ou levemente inclinada (45º, se a agulha for muito longa ou se a prega cutânea for pequena).
  9. Injete a insulina lentamente. Espere 5 segundos antes de retirar a agulha para evitar refluxo do líquido.
  10. Finalize: Retire a agulha e pressione levemente o local com algodão (não esfregue). Tampe a agulha para descarte seguro.

A técnica bem feita deve ser indolor.

10.7. Técnica de Mistura de 2 Insulinas (NPH com Regular) na Mesma Seringa:

Esta técnica exige precisão para evitar contaminação do frasco de NPH. Ordem é crucial: Primeiro a Regular (transparente), depois a NPH (leitosa).

  1. Lave e seque as mãos.
  2. Desinfete as tampas dos frascos de insulina Regular e NPH.
  3. Injete ar no frasco de NPH: Aspire na seringa o volume correspondente à dose de NPH e injete-o no frasco de NPH. Retire a seringa.
  4. Injete ar no frasco de Regular: Aspire na seringa o volume correspondente à dose de Regular e injete-o no frasco de Regular.
  5. Aspire a insulina Regular: Com o frasco de Regular de cabeça para baixo, aspire a dose de insulina Regular. Retire a seringa.
  6. Aspire a insulina NPH: Introduza a seringa no frasco da insulina NPH e aspire a dose de NPH, com cuidado para não injetar insulina Regular no frasco de NPH.
    • Importante: Se acidentalmente injetar insulina Regular no frasco de NPH, o frasco de NPH deve ser desprezado para evitar alteração na composição. Tenha o máximo de cuidado e exatidão.

10.8. Canetas de Aplicação de Insulina:

As canetas de insulina são dispositivos injetores automáticos, do tamanho de uma caneta, fáceis de transportar e manusear.

  • Funcionam com recarga de pequenos frascos de 3ml (carpules ou tubetes) ou já vêm pré-preenchidas.
  • Utilizam agulhas próprias, geralmente mais curtas e finas.

10.9. Vantagens do Uso da Caneta de Insulina:

  • Prática e rápida de usar.
  • Fácil de manusear, mesmo para pessoas com pouca destreza.
  • Facilita para deficientes visuais (possui um "click" audível ao ajustar a dose).
  • Pode ser mantida fora da geladeira (em local não muito quente) por até 30 dias (após aberta).
  • Agulhas menores, o que pode ser menos intimidador e mais confortável, especialmente para crianças.
  • Mais discreta para aplicações em público.

10.10. Técnica Correta de Aplicação de Insulina com Caneta:

  1. Prepare a caneta: Se for insulina leitosa, movimente a caneta lentamente para cima e para baixo (cerca de 10 vezes) para homogeneizar a insulina.
  2. Conecte a agulha e retire as tampas.
  3. Expulse o ar (teste de fluxo): Com a agulha para cima, disque 2 unidades, bata suavemente na caneta para as bolhas subirem e pressione o botão para expelir o ar até que uma gota de insulina apareça na ponta da agulha.
  4. Marque a dose girando o regulador para a quantidade desejada.
  5. Insira a agulha na pele (90º ou 45º, dependendo da agulha e prega cutânea).
  6. Pressione o botão disparador até o final. Mantenha a agulha na pele e o botão pressionado por 5 a 10 segundos (dependendo da insulina e volume) antes de retirar, para garantir que toda a dose foi injetada e evitar refluxo.
  7. Retire a agulha e descarte-a em local seguro.

Atenção: Jamais faça a aplicação por cima da roupa.

10.11. Canetas de Insulina (Exemplos de Modelos Reutilizáveis e Descartáveis):

Canetas ReutilizáveisDoses Reguláveis em UnidadesQuantidade Máxima por Aplicação (Unidades)
Novopen 3 ® 1 em 1 70
Novopen 3 Demi ® 0,5 em 0,5 35
Humapen Luxura ® 1 em 1 60
Humapen Ergo ® 1 em 1 60
Opti Pen Pro 1® 1 em 1 60
Quick Pen® 1 em 1 60
Autopen 24 verde® 1 em 1 21
Autopen 24 azul® 2 em 2 42
Canetas DescartáveisInsulina UtilizadaDoses Reguláveis em UnidadesQuantidade Máxima de Insulina por Aplicação (Unidades)
FlexPen® Levemir® 1 em 1 60
FlexPen® Novorapid 1 em 1 60
FlexPen® NovoMix 70/30 1 em 1 60
Lantus Optiset® Lantus 1 em 1 60
Lantus® Solo STAR® Lantus 1 em 1 80
Apidra® Solo STAR® Apidra 1 em 1 80

11. Hipoglicemia: Sintomas, Tratamento e Prevenção

11.1. O Que é Hipoglicemia?

É a queda da glicose sanguínea para valores menores que 70 mg/dl. É uma condição que exige atenção imediata.

11.2. Sintomas da Hipoglicemia:

Os sintomas podem variar, mas os mais comuns incluem:

  • Sintomas Leves/Moderados:
    • Tremores e sensação de fome intensa.
    • Aumento dos batimentos cardíacos (taquicardia).
    • Suor excessivo e frio, palidez.
    • Náuseas, tonturas, dor de cabeça, fraqueza.
    • Formigamentos (parestesias) nas mãos e ao redor da boca.
    • Irritabilidade, ansiedade, nervosismo.
    • Dificuldade de concentração, visão turva.
  • Sintomas Graves (necessitam de ajuda):
    • Distúrbios de comportamento (agressividade, confusão mental, desorientação, perda de concentração, troca de palavras).
    • Fala arrastada.
    • Rebaixamento da consciência, torpor.
    • Convulsões.
    • Perda da consciência (coma).
    • Em casos muito graves, hemiplegia (paralisia de um lado do corpo).

11.3. Fatores de Risco para Hipoglicemia:

A hipoglicemia pode ser desencadeada por:

  • Omissão ou atraso da refeição.
  • Situações que diminuem a absorção de alimentos (vômitos, diarreia).
  • Pós-exercício extenuante ou prolongado.
  • Ingestão excessiva de bebidas alcoólicas (principalmente sem se alimentar).
  • Absorção variável de insulina (locais inadequados de aplicação ou injeção em local de lipo-hipertrofia).
  • Insuficiência renal e adrenal.
  • Dose excessiva de medicações hipoglicemiantes e/ou insulina.

11.4. Como Tratar a Hipoglicemia:

O tratamento depende do estado de consciência do paciente.

Paciente Consciente:

  1. Ingerir 15 gramas de carboidrato de rápida absorção (regra dos 15):

    • 1 copo com água + 1 colher de sopa de açúcar, ou
    • 1 copo de 150ml de suco de laranja, ou
    • 1 copo de 150ml de refrigerante normal (não diet), ou
    • 1 copo de 300ml de leite, ou
    • 1 colher de sopa de mel, ou
    • 1 sachê de glicose em gel (15g), ou
    • 3 a 4 balas moles.

    Observação: Em pacientes que usam acarbose (medicamento que inibe a absorção de carboidratos), deve-se usar glucagon injetável ou açúcar puro (glicose), pois o acarbose inibe a absorção de carboidratos complexos.

  2. Aguardar 15 minutos.

  3. Medir a glicemia novamente. Se ainda estiver <70 mg/dl, ingerir nova porção de 15g de carboidrato e repetir o processo até a glicemia ser maior que 100 mg/dl.

  4. Após a recuperação, fazer um lanche mais completo (carboidrato complexo + proteína) para evitar nova queda.

Paciente Inconsciente:

  1. NÃO FORÇAR A INGESTÃO DE NENHUM ALIMENTO (risco de aspiração pulmonar).
  2. Administrar Glucagon (Glucagen®) 1 ampola subcutânea ou intramuscular, se disponível e a pessoa souber aplicar.
  3. Esfregar mel ou açúcar nas gengivas até o paciente ser levado ao pronto-atendimento.
  4. Chamar imediatamente o serviço de emergência (SAMU, etc.) ou levar o paciente ao pronto-socorro mais próximo.
  5. Avisar o plantonista sobre a suspeita de hipoglicemia.
  6. Após o paciente recobrar a consciência (se ocorrer antes da chegada da ajuda profissional), oferecer alimentos.
  7. Medir glicemia a cada 30 minutos até > 100 mg/dl.

Em ambas as situações (consciente ou inconsciente), quando a glicemia estiver estável:

  • Tentar determinar a causa da hipoglicemia.
  • Reavaliar o tratamento com seu médico para ajustar doses de medicamentos, horários de refeição ou tipo de insulina.

11.5. Como Prevenir Hipoglicemias:

  • Alimente-se a cada 3 horas (pouco e sempre!), evitando pular ou atrasar refeições.
  • Sempre carregue consigo seu lanche, 3 balas moles de açúcar ou um sachê de glicose e seu aparelho de medir glicemia para qualquer emergência.
  • Siga o plano alimentar e medicamentoso conforme orientação médica.
  • Ajuste a ingestão de carboidratos em dias de maior atividade física, sempre sob orientação do profissional de saúde.
  • Evite o consumo de álcool em excesso e sempre se alimente ao beber.
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